Artigo: Lula recoloca a política nas contradições sociais do Brasil

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Por: Paulo Pedrassolli*

A fala de Lula, já na condição de Presidente eleito, priorizando no orçamento público o combate à fome e a garantia de uma renda mínima à população mais miserável e pobre pode ter aberto as primeiras brechas do que seria o campo da frente ampla contra a extrema-direita. Porque aquela veio acompanhada da reação “nervosa” do mercado, intransigente na defesa prévia dos mecanismos de controles financeiros que, por sua vez, são adequados aos interesses de acumulação especulativa.

Desse modo, o problema do controle de gastos governamentais coloca-se em conflito com as necessidades das famílias que, por exemplo, sobrevivem revirando lixões em busca de comida, ou, com renda apertada, comprando ossos, peles e retalhos nos supermercados. Deixa, ainda, de lado, a falta de remédios na farmácia popular ou a defasagem do salário mínimo diante da inflação.

Parte da direita se apressou em embarcar na visão de mundo de cima para baixo do atual capitalismo financeiro, sugerindo ou já até acusando Lula de petismo radical.

Bem, Lula, de fato, à esquerda, partiu da visão e, principalmente, das necessidades das pessoas que residem no andar de baixo da sociedade. Porém, como já provou em governos anteriores, sempre o fez conciliando com a chamada responsabilidade financeira, transformada, hoje, em dogma venerado pelo andar de cima, com o tal “teto de gastos”. Mas, lembrem-se que foi, principalmente, nesse ponto que o governo Lula recebeu muitas críticas à esquerda, ocasionando, inclusive, o desligamento de muita gente do partido.

Portanto, Lula parte de baixo, mas não se isola lá, incorporando, também, os de cima. Traduzindo politicamente: uma certa responsabilidade social construída conjuntamente sob os constrangimentos da responsabilidade fiscal.

Fato é que o capitalismo brasileiro sob a hegemonia de sua fração financeira vem se mostrando muito selvagem, de tal modo que parte relevante da elite política e econômica, que foi importante no enfrentamento à extrema-direita, ainda parece teimar em ficar encastelada no topo da torre e de lá descer sua política econômica para o conjunto da população.

E não se pode dizer que o mal-estar político gerado nessa colisão de rotas seria imprevisível. Em uma fala emocionada durante a campanha, Lula, de modo franco, afirmava que sua vitória eleitoral só faria sentido caso servisse para, antes de tudo, atender as necessidades da população mediante a reconstrução das políticas sociais no Brasil.

Mas, calma, tudo ainda é muito incipiente. São tensões previstas nessa transição de governo. A boa notícia é que, parece, estamos voltando à era da política pensada e praticada a partir da racionalidade do mundo real – e de suas contradições. E Lula se coloca como a liderança e a expressão desse movimento.

*Paulo Pedrassolli é sociólogo, mestre em sociologia pela Unicamp.

**Os artigos publicados com assinatura não manifestam a opinião de O Defensor. A publicação corresponde ao propósito de estimular o debate dos problemas municipais, estaduais, nacionais e mundiais e de refletir as distintas tendências do pensamento contemporâneo.

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